Lançada em 1998 como parte de uma homenagem dos 15 anos de falecimento de Janete Clair, uma das maiores novelistas de todos os tempos, a direção da TV Globo apostou alto no remake de “Pecado Capital”.
Esta foi uma das obras mais emblemáticas da carreira da novelista. Diante da ação da Censura Federal que impediu que a primeira versão de “Roque Santeiro”, em 1975, fosse exibida, o canal foi pego de surpresa mesmo com o material pronto para estrear. A saída foi pensar rápido e escalar uma reprise de “Selva de Pedra” (1972) como “tapa- buraco”. Janete então, se ofereceu para desenvolver uma sinopse em tempo recorde e reaproveitar o elenco da novela censurada. Comprometida ao mesmo tempo com “Bravo!”, ela passou a trama para os cuidados de seu colaborador Gilberto Braga.
Assim surgiu “Pecado Capital”, a história de um taxista honesto do Méier que, num dia de labuta, encontra no banco de trás de seu táxi uma mala recheada de dinheiro, oriunda de um assalto, depois de acidentalmente transportar os bandidos. Então, ele lida com um dilema moral: usar o dinheiro ou devolvê-lo a Polícia.
Glória Perez foi uma pupila de Janete, então, nada melhor que ela para recriar esse drama. Vale ressaltar que ao longo do tempo, o horário das 18h era o dedicado pela emissora para remakes, não como hoje que estão até no horário das 21h.
Para o protagonista, muito dúbio, Eduardo Moscovis foi escalado para o papel, como José Carlos Moreno, o Carlão. Seu par romântico foi Carolina Ferraz, como Lucinha, que ascende na vida como modelo. A escolha dos atores era influência da boa aceitação do público e de “química” em “Por Amor” (1997). A ponta do triângulo amoroso coube a Francisco Cuoco como Salviano Lisboa, que no original, deu vida justamente ao protagonista Carlão. Palomma Duarte viveu a conturbada Vilma, filha de Salviano, papel que na versão de 75, pertenceu a sua mãe, Débora Duarte. Ainda temos Betty Faria, que faz uma rápida participação, como ela mesma, no início da novela, dando dicas e incentivo a Lucinha sobre modelar. Mário Lago atuou nas duas versões no mesmo personagem, Amato, um advogado que defende Eunice (Cássia Kiss). Alexandre Borges viveu Nélio Porto Rico, papel original de Dennis Carvalho, dono de uma agência de publicidade e que acaba se casando com Vilma pelo dinheiro da família dela, mas que posteriormente se apaixona de verdade.
Leandra Leal, Mara Manzan, André Valli e Carolina Ferraz formam o núcleo familiar de Lucinha - Reprodução Memória Globo. |
Apesar de ser um remake bastante fiel a obra original, Glória incrementou muitas novidades. A história do núcleo de Lucinha agora se passa em Marechal Hermes (RJ) e conta com uma ala de humor, como o bar de Clóvis (Pedro Paulo Rangel) e sua esposa Otília (Íris Bruzzi) e o filho, um malandro jogar de futevôlei que finge levar uma vida de luxo e fama, vivido por Eri Johnson, entre outros personagens, como um núcleo de moças que divide o aluguel do apartamento de Aurora (Darlene Glória), incluindo Elizete e Dagmar (Juliana Silveira), além da constante presença de Jurandir (Guilherme Karan), envolvido na história do assalto. A autora também apresentou uma juventude vivendo de acordo com a modernidade, entre ser descolado e ousado.
Outra característica de Glória são os merchandisings sociais, aqui com duas ações. Vilma tinha um grupo de amigos muito “alternativos”, uma delas, Rafa, com a cabeça raspada. Então, num certo momento, a atriz Clara Garcia participou de uma campanha publicitária da Cítera, agência de Nélio. Ela e a campanha, acabaram atingido positivamente crianças com câncer, que se identificaram com o visual dela. A personagem visitou um hospital e conheceu uma menina paciente.
Outro momento foi um ponto criado na praia, pelo personagem Tenorinho (Eri Johnson). Pessoas comuns paravam e faziam denúncias e reclamações, entre muitos, casos de homofobia e a mãe do estudante Frederico Guimarães, morto por uma gangue em Ipanema, em novembro de 1998. Como as novelas são disponibilizadas na íntegra pelo Globoplay, falta a inserção de algo que explique essas denúncias. Caso alguém não venha a pesquisar, não entende do que se tratam esses momentos já que faz parte do contexto da época.
Entre confusões nos bastidores, Francisco Cuoco viveu Salviano Lisboa. Um milionário dono de uma rede de supermercados, a Centauro – no original, uma tecelagem. Viúvo, é pai de seis filhos, cada um com peculiaridades e dramas diferentes. A grande questão do personagem é descobrir o talento de Lucinha para ser modelo, batizada artisticamente como Lucy Jordan. Ele a transforma numa nova mulher enquanto se apaixona por ela, formando um triângulo amoroso e disputando o amor dela com Carlão.
Lucy enfrenta os preconceitos de uma relação com Salviano, pela diferença de idade entre eles e a desconfiança de interesses financeiros. Os filhos dele, logicamente, não aprovam a relação.
Enquanto isso, Carlão começa a questionar sua índole e sua moral. Tentado a usar o dinheiro ou devolver, ele passa por uma “prova de fogo” e acaba utilizando para custear um tratamento de saúde do pai (Roberto Bonfim), com emergência de atendimento. Daí em diante começa a transformação do personagem, fazendo de tudo para mostrar para a ex, que está bem, entre comprar uma frota de táxis e esbanjar o dinheiro roubado. Ele sempre se compromete a juntar o dinheiro novamente e devolver, mas não consegue e acaba se enrolando em mais dívidas.
Ele tem uma irmã também, Elizete (Denise Milfont), com quem tem pouca relação devido as escolhas dela. Ela trabalha como dançarina numa boate e fica subentendido (já que o horário das 6 não permitia muita clareza) a relação dela com prostituição. Aos poucos acontece uma aproximação dos dois até que ela chega a trabalhar na frota de táxi, tentando encerrar de vez sua ligação com o antigo trabalho. Nesse meio tempo, conhece Lobato, interpretado por Henri Castelli, em sua primeira novela, com quem começa um relacionamento, até que se reencontra com Sandoval (Othon Bastos), uma figura de seu passado e que terá uma ligação importante com o futuro de seu irmão.
Dos filhos de Salviano, o maior destaque é de Vilma (Palomma Duarte), que vive num mundo particular de devaneios, alucinações e inseguranças. Ela tem uma terrível rejeição pelo marido de sua irmã Vitória (Thais de Campos), Ernani (Floriano Peixoto). Lá pelas tantas, é explicado que ele participou de um evento traumático no dia da morte de sua mãe, quando ela se escondeu na adega da família e ele foi procurá-la, ela o empurrou contra garrafas e o líquido a remeteu a sangue, acreditando ti-lo matado. A única pessoa que entende Vilma é o psicólogo Percival (Antônio Pompeo). O casamento de Vitória nunca foi aprovado por Salviano, que sempre rejeitou o genro. A relação começa a ruir e numa brincadeira de mau gosto, os filhos do casal ligam para um Disk Amor e mandam mensagem para a mãe, como se fosse um recado mandado por Percival e vice-versa. Os dois acabam se envolvendo aos poucos e terminam a novela juntos.
Os outros filhos de Salviano são - Vicente (Thiago Lacerda), um mulherengo que sonha em conquistar a liderança da empresa da família e que se envolve com a irmã de Lucinha, Clarelis (Leandra Leal); Valter (Jiddu Pinheiro) que parece pouco responsável e engata uma relação com Mila (Betty Lago), uma mulher com dois filhos adolescentes e bem mais velha que ele; Vírgilio (Marcos Winter) que reaparece depois de muito tempo, agora destinado na vocação religiosa como frei em processo; Vinícius (Marcelo Serrado), um homem frustrado e amargo que aparece de volta no país para tentar conter os problemas familiares, mas que acaba tendo uma abordagem rasa e esbarrando num suposto mistério.
O peso do triângulo amoroso entre Lucinha, Salviano e Carlão deveria terminar com o casamento dela com o ricaço, mas precisou ser alterado por causa dos bastidores. Carolina Ferraz não estava a vontade com as cenas românticas e de beijo com Francisco Cuoco, reclamando publicamente. Ele, chegou a dar entrevista dizendo que o clima não era bom e que ela atuava como se estivesse sendo obrigada. Então, Glória precisou mexer e incluir uma nova personagem, Laura (Vera Fisher), uma mulher que viajou o mundo e era irmã da falecida esposa de Salviano. Ela, ao contrário de Lucinha, era “aprovada” pelos filhos dele. Na reta final, acontece uma disputa entre elas, mas é Laura quem leva a melhor e termina a novela com ele.
Num dado momento e principalmente na reta final, a trama da mala do dinheiro roubado ganha adrenalina e força. Um assassinato acaba incriminando Eunice (Cássia Kiss), que acaba sendo presa. Desesperada, tenta esconder do marido que está sendo perseguida pelo ladrão. Na cadeia, Carlão se aproxima dela esperando que não o reconheça como o taxista daquele dia e o entregue as autoridades. Então fica preso a essa relação com Eunice, fazendo de tudo para gostar dela, mesmo ainda pensando em Lucinha. Eunice se torna uma mulher submissa e iludida por esse amor, mudando sua vida completamente.
A reta final é marcada pela ruína do relacionamento de Carlão e Eunice e as emoções do julgamento que definirá seu futuro. Ela absolvida, apesar de desistir de entregá-lo. A essa altura Carlão já estava envolvido num esquema de contrabando e enrolado fugindo de quem devia. É aqui que surge uma ilustre participação especial, Lima Duarte, que aparece como o chefe do esquema, sendo que no original foi ele quem deu vida ao Salviano.
Dos personagens irritantes e que dá vontade de “pular cenas”, estão Tenorinho e seus enrolos pra fingir ser famoso; a mimada e insistente Clarelis, irmã de Lucinha que não tem grandes funções além de ser obcecada por homens, incluindo o filho religioso de Salviano, Virgílio. A própria Vilma também tem momentos complicados e irritantes com ataques de histeria e personalidade. Paciência!
A trilha sonora é um retrato daquele momento, tanto a nacional quanto a internacional. O grupo Só pra Contrariar regravou o tema homônimo agora numa versão de pagode para a abertura. Curiosamente, a abertura, que mostra dinheiro ''voando'' por vários cenários e fachadas da cidade, foi exibida completa por pouco tempo. Naquela época, houve a adoção de uma regra comercial para redução da duração das aberturas, que passaram a ser veiculadas dentro de 30 segundos aproximadamente.
O sucesso “É preciso saber viver”, dos Titãs, foi o tema do casal Carlão e Lucinha, além de Vinny com “Shake Boom”, um dueto de Cidade Negra e Lulu Santos chamado “Sábado a noite”, Rita Lee, Martinho da Vila e entre outros. Na internacional, temos Glória Stefan, Bosson, Fatboy Slim, Laura Pausini, Tina Arena, Julio Iglesias e outros.
Vera Fisher como Laura, personagem nova que entra no capítulo 121 como novo interesse amoroso de Salviano - Reprodução Globoplay. |
Em resumo, “Pecado Capital” foi uma novela que passou longe de um grande sucesso, mas não foi a tragédia que a imprensa pintou ao longo dos anos e que piorou quando foi rejeitada numa enquete para reprises no Canal VIVA.
Foram 185 capítulos de amores, intrigas, mistérios e adrenalina. Glória foi muito capacitada em atualizar a novela e dar o toque que só ela sabe, seguindo com maestria o que aprendeu com Janete.
Para finalizar, estamos muito acostumados em ver protagonistas mulheres na categoria de “anti-herói”, como as populares Rubi e Teresa, das novelas mexicanas . José Carlos Moreno é assim, um homem dúbio que de repente é corrompido pelo dinheiro e bela ambição, quer “comprar o mundo” pra exibir que está bem demais. Aos poucos, o mocinho toma ares de vilão e muda seus princípios, terminando da forma mais trágica e merecida dentro do seu histórico: morre no final.
Moral da história: Não vale a pena julgar algo como ruim apenas pela mídia e pela repercussão não ter sido das melhores. A novela para mim, foi uma experiência valiosa, divertida e instigante. Sendo mais exato, não é o desastre que sempre disseram. E dinheiro na mão, é vendaval!
Obrigado pela visita e até a próxima!
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