| CRÍTICA: REPRISE DE "PORTO DOS MILAGRES" CONFIRMOU SER UMA NOVELA SUBESTIMADA

Por muito tempo, "Porto dos Milagres" foi considerada uma daquelas novelas que ninguém lembra que foram exibidas. E sem dúvidas, ela foi acometida injustamente a este posto. Dezoito anos depois, ela retorna à TV paga através do Canal VIVA e limpa a imagem de ruim e fracassada que recebeu.


Camila Pitanga, Marcos Palmeira e Flávia Alessandra formam o triângulo amoroso Esmeralda, Guma e Lívia - Imagem: Divulgação/TV Globo.


Exibida de fevereiro a setembro de 2001, foi escrita por Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares com base em duas obras de Jorge Amado, "Mar Morto" e "A Descoberta da América pelos Turcos", marcando este trabalho como o último de Aguinaldo dentro do segmento "realismo fantástico". Os efeitos especiais utilizados para cenas em alto mar e outras, por exemplo, trouxeram uma qualidade e uma naturalidade boa, ainda mais com uma direção bastante eficiente. A trilha sonora também é um show à parte, principalmente as trilhas instrumentais que marcam, cenas de suspense, muito bem. Uma curiosidade muito interessante: naquela época, a novela era considerada a mais cara da história, com custo aproximado de US$ 80 mil por capítulo. Seu custo final poderia chegar a US$ 8 milhões e dependendo da aceitação do público e da quantidade de capítulos, chegaria aos US$ 11 milhões.

Situada em uma vila litorânea fictícia, localizada na Bahia e chamada de Porto dos Milagres, a trama se desenrola em cima da dupla de trambiqueiros Félix Guerreiro e Adma, papéis defendidos por Antônio Fagundes e Cássia Kiss. Depois de uma vida de golpes na Espanha, uma vidente encontra Félix e lhe diz que será um rei. Perplexo com a revelação, o casal parte para o Brasil e vai parar em Porto dos Milagres, onde mora o irmão gêmeo de Félix, Bartolomeu, prefeito e autoridade máxima do lugar. Os dois não se dão bem, havendo uma afronta direta entre Adma e Bartolomeu. Acontece que Bartolomeu se envolve com uma espécie de prostituta a quem ele ama e promete tirar de lá. Ela engravida dele e a emoção toma conta. Enquanto isso, o tempo passa e Adma decide começar a eliminar as pessoas que possam impedir sua chegada ao topo, principalmente por vias de poder colocar as mãos na fortuna do indesejado cunhado. Ela o assassina, friamente, usando veneno numa bebida. A morte cria uma comoção e levanta suspeitas, mas Adma não esperava que fosse aparecer em sua casa, a mãe com o herdeiro de Bartolomeu, o que lhe deixa possessa. Ela arruma uma forma de eliminar a mulher e mandem que matem o bebê. O bebê, que vem a ser o protagonista, Guma, é arremessado ao mar e entregue à própria sorte. Quem o encontra é um casal de pescadores que perdeu um filho em gestação recentemente. Eles acreditam fortemente que se trata de um milagre, um presente de Iemanjá e assim, o criam como filho. Com o passar do tempo, Guma cresce e se torna um pescador famoso na região por supostamente ser o "filho de Iemanjá" e muito corajoso.

Os principais conflitos da história passam a ser a busca insaciável de Adma e Félix pelo poder da região, sendo Adma, capaz de tudo para chegar aos mais extremos fins, enquanto sequer imaginam que o herdeiro de Bartolomeu está vivo, aliás, informação que todos desconhecem. No outro ponto da história está a volta ao Brasil de Alexandre, filho de Adma e Félix, junto com sua namorada, Lívia. Logo na chegada, quem os salva de uma tremenda tempestade em alto mar é Guma, que ao ver Lívia pela primeira vez, se encanta imediatamente pela moça. Aqui nasce um triângulo amoroso que promete segurar o caminhar da novela: Guma se apaixona por Lívia, ela passa a duvidar de seus sentimentos por Alexandre, enquanto a bela Esmeralda luta para conquistar o coração de Guma, apesar de não ser correspondida.

Aproveitando ainda o núcleo dos pescadores, a novela levantou debates sobre a preservação ambiental, como foco na poluição do mar, um tema importante a ser discutido sempre, principalmente se relacionamos como o momento atual em que vivemos, dos vazamentos de óleo no mar que vem atingindo regiões litorâneas.


Antônio Fagundes e Cássia Kiss dão um show com a dupla de vilões Félix e Adma. Esta, matava seus inimigos com bebidas batizadas com veneno - Imagem: Divulgação/TV Globo.

O elenco traz grandes nomes encarnados em figuras interessantes. Luiza Tomé vive aqui uma personagem famosa por seu nome e por sua posição de justiceira: Rosa Palmeirão. Marcos Palmeira e Flávia Alessandra, esta em sua segunda Lívia nas novelas, fazia um par muito bom com o personagem de Marcos, o Guma. Arlete Salles vive um tipo bastante semelhante com Maria Altiva, personagem de Eva Wilma em "A Indomada" (1997), evidenciando seu bom "jogo de cintura" com personagens cômicos através de sua Augusta Eugênia. Falando na Indomada, vale relembrar o crossover que houve quando, o político Pitágoras (Ary Fontoura), visita a cidadezinha, vindo diretamente de Greenville e faz planos ambiciosos com Augusta Eugênia. 
O maior destaque, sem dúvidas, vai para o casal de vilões Adma e Félix, defendidos por Cássia Kiss e Antônio Fagundes. Adma possuía uma sede de poder e era capaz de qualquer coisa, eliminando muitos que atravessassem seu caminho usando bebidas batizadas com um veneno que trazia num anel em seu dedo. Era uma personagem forte e bem construída e ao final, o autor apresenta alguns fatos que lhe perturbaram e a transformaram no que era. E não era para menos: Cássia Kiss, com toda sua grandiosidade, deu um show e acredito, que hoje em dia, seria uma daquelas vilãs amadas pelo público e transformadas em memes nas redes sociais. Quanto à Antônio Fagundes, aqui ele encorpora um tipo de vilão que em sua profundidade, guarda alguma fraqueza que não o torna uma figura de maldade extrema. Ele, por exemplo, não compactuava e nem tinha conhecimento das maldades que sua mulher cometia.

No decorrer dos anos, a novela foi "esquecida" pelo público e em partes, pela Globo. Sua reapresentação no VIVA foi cerceada por polêmicas em relação as escolhas do canal, que neste período deixou de apresentar novelas dos anos 1980/1990, mas apesar disso, se tornou uma das maiores audiências do período. Muito além disso, a  reprise mostrou como a novela foi injustamente menosprezada pelo passar dos tempos. A crítica sempre a "pintou" como um fracasso, pelo simples motivo de que seus números tenham sido um pouco inferiores em comparação aos fenômenos "Laços de Família" e "O Clone", já que fora exibida entre as duas. Esse discurso de fracasso ainda era reforçado por declarações de Aguinaldo Silva, que mostrou descontentamento com a novela na época, que também sofreu perseguição de grupos religiosos por falar sobre Iemanjá. A mesma pleitou uma vaga para reprise no Vale a Pena Ver de Novo, em 2006, mas não obteve liberação do Ministério da Justiça por ser uma novela muito pesada para o horário.

Luiza Tomé viveu a popular Rosa Palmeirão, uma mulher de espírito vingativo e que em determinado momento, se torna dona de uma espécie de bordel na cidade. - Imagem: TV Globo/Reprodução Canal VIVA.

Contudo, "Porto dos Milagres" foi submetida a julgamentos descabidos. Dezoito anos depois de sua exibição pela TV Globo, é de fácil análise como os personagens conseguem sustentar melhor a história, o que não ocorreu com tanto rigor nas produções anteriores do autor. Para encerrar, é lamentável que uma novela com qualidades mais positivas que negativas tenha sido esquecida pelo público, pela Globo e que por números, tenha sido "esquartejada" durante muito tempo pela crítica e pela imprensa. Termino com uma opinião impopular: "Porto dos Milagres", é melhor que "A Indomada".




Obrigado pela visita e até a próxima!

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