| OS 6 ANOS DA INJUSTIÇADA ESTREIA DE "POR ELA... SOU EVA" NO SBT

Depois do fim da parceria com a Televisa em 2008, o SBT voltou a apostar em novelas mexicanas a partir de 2010 com duas tramas inéditas, e no ano seguinte, reprisou grandes sucessos da rede mexicana como a trilogia das Marias de Thalía, entre outras. Em 2013, surge novamente uma história inédita, era "Cuidado com o Anjo" que abria um espaço para novelas inéditas em meio a reprises na faixa das Novelas da Tarde. O sucesso respondeu logo e a substituta escolhida foi "Por Ela... Sou Eva", uma aposta injustiçada que completa seis anos de dua estreia e a gente relembra agora.

HISTÓRIA
Vestidos como Eva: Jorge Enrique Abello em "En Los Tacones de Eva" e Jaime Camil em "Por Ela... Sou Eva", respectivamente - Imagem: Montagem.

A produtora Rosy Ocampo levava para a telinha mexicana um texto originalmente colombiano chamado "En Los Tacones de Eva" no ano de 2012. A história original, exibida pelo canal RCN entre 2006 e 2008, foi escrita por Elkin Ospina, Fernán Rivera e Juan Carlos Troncoso, além de ter sido estrelada por Jorge Enrique Abello nos papeis de Juan Camilo e Eva. Aliás, reconhece esse nome? Jorge Enrique é ninguém mais e ninguém menos que o Armando Mendoza de "Betty, a Feia". 
Na versão mexicana, o encarregado do desafio de viver dois personagens tão diferentes foi Jaime Camil, que aqui se chamava Juan Carlos. Ele passou por uma grande transformação para tentar limpar seu nome e lutar pelo amor de Helena Moreno, vivida por Lucero. Já no original, o grande amor de Juan Camilo era vivido por Mónica Lopera e se chamava Isabella Nieto. Curiosamente, essa era a segunda vez que Jaime Camil vivia um personagem que havia sido interpretado por Jorge Enrique: o primeiro havia sido Fernando Mendiola em "A Feia Mais Bela", versão mexicana de "Betty, a Feia".


TEMAS SOCIAIS E QUEBRA DE TABUS: O FEMINISMO E O MACHISMO
Marcela (Tiaré Scanda) é defendida de seu marido (Pablo Valentín) por Eva (Jaime Camil) em cena da novela - Imagem: Televisa.

Grande parte dos conflitos que moviam a história e se entrelaçavam entre a vida dos personagens e seus trabalhos na empresa Grupo Império se derivavam da luta entre o machismo e o feminismo. Depois da transformação de João Carlos no disfarce de Eva, ela passa a ser uma peça fundamental para parte da resolução e enfrentamento destas questões. Um dos casais da novela que sofreu de perto com problemas de relacionamento graças à ascensão da mulher foram Marcela (Tiaré Scanda) e Fernando (Pablo Valentín). Fernando, junto com João Carlos e Santiago, formavam um trio de homens machistas. Marcela e ele trabalham no Grupo Império, porém, ela como secretária e ele, um dos integrantes da equipe de produção do executivo João Carlos. No momento em que sua esposa consegue emplacar um projeto na empresa e sobe de cargo, Fernando muda de comportamento com a esposa por não aceitar que sua esposa esteja no mesmo nível de trabalho que ele, o que considera uma vergonha. As atitudes de Eva, encarnada em João Carlos, acabam mudando o modo de como ele mesmo enxerga o mundo, as mulheres e como as trata. Cansada das humilhações do marido, na reta final, Marcela decide tomar as rédeas da situação e ameaça abandonar o marido caso não mude. Depois de repensar tudo que fez e ouvir segundas opiniões, ele decide mudar e passa a apoiar o trabalho da esposa e assim, melhora o convívio com os filhos também. Vale ressaltar como essas questões são tratadas de forma séria e conscientizante.


HOMOSSEXUALIDADE, RELACIONAMENTO ABUSIVO E PARADIGMAS DE BELEZA
Ferdinando Valencia vivia um homossexual com medo de se aceitar e Christina Pastor, uma mulher que tem inseguranças com sua aparência - Imagens: Televisa / Montagem.

Eva logo se torna uma fiel amiga de Antônia (Christina Pastor), irmã do dono do grupo Império. Ela nem imagina, por exemplo, que seu adorável marido se casou com ela apenas por interesses financeiros e a trai com uma das executivas da empresa. Acima do peso, Antônia é extremamente insegura com sua aparência e Eva surge como um apoio que a transforma em uma mulher empoderada e segura de si mesma, se aceitando exatamente do jeito que é. O relacionamento abusivo e a tentativa de estupro, na qual o homem se enxerga no direito de tomar uma mulher à força para o sexo, é o que passa Jennifer (Geraldine Galván), a filha de Marcela, com seu namorado. Pode ser que o surgimento de Eva para "salvar" a mocinha em apuros seja um pouco forçado demais, porém, após o livramento, a menina e a mãe conversam sobre sexo, relacionamentos e assim, conscientizam até mesmo quem assiste.
Quem passa pelo drama da homossexualidade é Renato, personagem de Ferdinando Valencia, um jovem executivo do Grupo Império que lida diariamente com as humilhações de uma colega de trabalho, Rebeca (Mariana Seoane). Renato reprime sua sexualidade com medo das repressões no ambiente de trabalho, principalmente por parte do chefe. Ele também tinha medo da reação da família. Ao fim, após conselhos e o apoio de Eva, ele decide sair do armário e viver de verdade, ser ele mesmo e não aceitar que comentários ofensivos o rebaixem e atinjam. Aqui, o assunto também é tratado de forma correta e séria, apesar de não se aprofundar muito.


O RETORNO DE LUCERO AO SBT
Lucero vive a protagonista, Helena, uma mulher que enfrenta as constantes humilhações do pai por ser mãe solteira e busca condições de dar os melhores cuidados para o filho - Imagem: Televisa. 

Lucero ganhou uma popularidade enorme no Brasil depois do fenômeno "Chispita" e inexplicavelmente, passou mais de vinte anos sem dar as caras nas telinhas brasileiras, até que em 2006, surge "Laços de Amor" (1995), uma novela apresentada já velha pelo SBT, outra injustiçada que passou quase despercebida. Em 2009, "Amanhã é Para Sempre" fora exibida pela CNT, canal de pequena popularidade e alcance nacional. "Por Ela... Sou Eva" marcou o grande retorno da atriz e cantora ao SBT, que anos depois de tornaria querida e aclamada novamente por aqui. Aqui, ela interpreta Helena Moreno, uma mãe solteira que lida com as reclamações de seu pai, outro personagem machista que diminui a esposa e a filha. Ela ainda sofre um golpe de João Carlos, disfarçado de João Perón, que rouba seu projeto para se dar bem. Enfim, Helena foi uma personagem forte, determinada, que não deixava as adversidades da vida a abalarem. Só foi ofuscada por Jaime Camil e pelo tamanho da importância de Eva para a história. Lucero ainda gravou em português o tema "Não Me Deixe Ir", que a emissora só utilizava o mesmo trecho nas chamadas.


PRIMEIRA NOVELA MEXICANA EM HD NO BRASIL
A novela tornou-se percussora ao ser a primeira exibida no Brasil no formato de 1080 linhas, o HD. Era colorida, animada e os cenários completavam a fotografia de comédias da Televisa. Anteriormente, o SBT havia exibido "Camaleões" (2009), disponível em HDTV, porém adquirida e transmitida no formato de 480p (SDTV).


INJUSTIÇADA: ESTREIA NO FIM DE ANO E HORÁRIO EQUIVOCADO
João Carlos enfrentava o desafio de se disfarçar de mulher para fugir da polícia e assim, ter tempo de juntar as provas de que não havia roubado nenhum centavo do Grupo Império, além de poder ficar ao lado de Helena, seu grande amor, por quem se apaixona após seduzi-la para roubar o projeto que salvaria seu emprego - Imagem: Televisa.

É incomum que as emissoras estreiem qualquer produto no fim de ano. É uma temporada comum de fuga de público por questões de viagens, reuniões familiares devido ao período festivo. Aqui, se correu um risco que se procurou evitar posteriormente: a estreia foi marcada para 2 de dezembro de 2013. O que pesou foi a audiência que fugiu, em comparação com a antecessora, além da demora para o grande momento da novela acontecer, a transformação de João Carlos em Eva - cena que é apresentada próximo ao capítulo 20. A espera para acontecer o que já se sabia cansou e deixou muita gente perdida. 
O segundo erro crasso que o SBT ainda comete é a dificuldade de manter um horário correto e que não afaste o telespectador. Enquanto "Cuidado Com o Anjo" (2008) abria o horário das 15h15, era uma novela de imagem velha e trazia uma carga de dramalhão mexicano forte, a popular "novela rosa", "Por Ela... Sou Eva" era totalmente o contrário. A imagem bonita que "enchia a tela", as imagens coloridas, o humor como principal fio condutor e temas sérios a serem abordados afastaram o público que não se identificou, basicamente um desastre de planejamento da direção. As duas únicas comédias da Televisa que garantiram o sucesso no SBT foram exibidas após às 18h00 ("A Feia Mais Bela" e "Meu Coração é Teu"), o horário melhor aceito para quem procura relaxar com esse tipo de história. Recentemente, a emissora repetiu a falha com "Que Pobres Tão Ricos", comédia que substituiu a bem sucedida reprise de "Coração Indomável" e que derrubou os números de audiência.
Outro ponto a ser discutido é que as novelas exibidas naquele período não tinham nada em comum com as loucas aventuras de Eva. Durante certo período, a esverdeada "Café Com Aroma de Mulher" (1994) era a maior audiência das tardes e "Por Ela... Sou Eva" derrubava a audiência que recebia e prejudicava as próximas atrações, como "A Madrasta", "Abraça-me Muito Forte" e "O Privilégio de Amar".


RECLAMAÇÕES SOBRE A DUBLAGEM
Plutarco (Marcelo Córdoba) casou-se por interesse com Antônia e sempre teve inveja do carinho com o qual seu cunhado, dono do Grupo Império, tratou João Carlos. O ápice foi planejar um golpe por João Carlos para desmoralizá-lo e ocupar o cargo que pertencia ao outro. - Imagem: Televisa.

Se tornou constante as reclamações do público de fãs a baixa qualidade da dublagem, em principal aspecto no que se dizia sobre o áudio, que na maioria das vezes era abafado, baixo ou com eco. Com o tempo, o estúdio de dublagem, Rio Sound, novato no mercado, se aperfeiçoou na área e hoje, apresenta materiais de excelente qualidade. Algumas adaptações para tornar a novela "abrasileirada" surgiram, como por exemplo, quando numa reunião João Carlos chamava os parceiros de comediantes e sugeria que eles participassem de "A Praça é Nossa". A personagem Rebeca constantemente ofendia Renato ao chamá-lo de "Maria do Bairro". Um pequeno erro de tradução foi os apelidos com os quais Marcela e Fernando se tratavam e que perderam o impacto original: "Flaco e Flaca" virou "Marginha e Magrinho".


DESCASO E SALDO FINAL
As primeiras impressões e contato inicial que Helena teve com Eva, após tê-la contratado como sua assistente pessoal, não foram as melhores. Aos poucos elas foram se tornando amigas e confidentes - Imagem: Reprodução/UniMás/Televisa.

Com os números de audiência descendo a ladeira, a emissora correu e lançou em janeiro de 2014, uma chamada de relançamento da novela contando o que já havia acontecido, os mistérios que estavam por vir e do que se tratava. Não adiantou de nada. Depois dessa tentativa falha até maio daquele ano, a novela foi exibida de qualquer jeito: a divulgação caiu mais, o tempo de arte e duração dos capítulos foi diminuída, editada e ainda, desapareceram com a abertura (ou mini abertura de 20 segundos). A novela chegou ao fim com um total de 126 capítulos e o status de fracasso, fechando com apenas 4 pontos e abaixo da meta estipulada.
Ao meu ver, foi uma novela extremamente prejudicada pelos erros de planejamento da direção do SBT, um folhetim que possui mais qualidades do que defeitos e que algum dia, quem sabe, ganhe uma segunda oportunidade para ser valorizada como deveria ter sido.




Obrigado pela visita e até a próxima!

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